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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sonhando acordado

Para Nilson Freitas

Deitado em sua cama, desde as 4 da manhã ficou olhando para o teto. Não sentia um pingo de sono. Viu o tempo transitar do escuro daquela noite quente ao ar fresco vindo com a claridade do dia. Quando o despertador tocou só teve o trabalho de esticar o braço e desligá-lo, mas o olhar fixo para o teto. A verdade que não conseguia parar de pensar nela. Passava as mãos pela cabeça, os cabelos enroscavam pelos dedos e com suspiro pensava: "Não consigo tirar essa mulher da minha cabeça". Levantou da cama sentiu a cabeça pesada, as poucas horas de sono latejavam a mente. Foi arrumasse para o trabalho, na rotina de banho, café, passar um pretinho no sapato, veste a roupa, ajeita a gravata, chave bolso direito, carteira bolso esquerdo, Mp4 no bolso da camisa, laptop na mochila. Já se passaram dois dias de quando se conheceram. No caminho para pegar o metrô lembrava e relembrava aquela noite. Foi no sábado. Há muito tempo não lembrava ter uma noite assim. Haviam semanas sem ver os amigos, ficara muito preso ao trabalho nos últimos tempos. Lembrava que chegando ao bar a mesa repleta, gritos, saudações, abraços, risos. A calorosa matada de saudade habitual entre velhos companheiros. Logo em seguida chegaram as amigas, tudo ficara completo. Naquela reunião banhada a bastante cerveja, tira-gosto e algumas cachaças. Muitas conversas, casos, promessas, piadas e acasos se configuraram num grande êxtase. Conhecidos foram chegando e se agregando a turma, a noitada prometia. Eis que uma convidada das amigas chegou. Quando a viu só conseguiu dizer: “Thiago é essa!”. Foram apresentados, conversaram, e inevitavelmente, ficaram. Divertiram-se, dançaram, riram e muito beijaram. Uma noite perfeita que se acabou na alta madrugada, um para cada lado. No Domingo, jogado ao sofá relembrava os melhores momentos daquela noite. Riu sozinho das sandices e bobagens ditas naquela mesa e arrepiava ao lembrar-se do olhar dela. Quis ligar mais se esquecera de pegar o número do celular. Teve vontade de se matar: “Putz véio. Como fui tão burro assim?!”. E assim, o vacilo dilacerava sua mente. Queria vê-la novamente, ansioso só acalmara quando lembrou que no serviço era só ligar para uma amiga que com certeza teria o celular dela. Voltamos à realidade, é segunda-feira. Estação Gameleira de manhã, aquela multidão costumeira na espera do próximo itinerário. Chegou à plataforma de embarque, seguido de movimentos rotineiros: olha para o pulso confere a hora, olha para o horizonte da linha férrea, mas o trem ainda é incerto e olha novamente para o pulso. A plataforma cada vez mais cheia, prenúncio da chegada do próximo trem. Inevitável ao seu campo de visão a escada de acesso da plataforma. Começou a reparar nas pessoas descendo, viu uma garota ao celular enfurecida e gesticulando bastante, pensou: “Ih o namorado deve tá tomando uma coça”. Logo atrás um cara gordinho com o terno impecável e o cabelo simetricamente penteado com gel: “Mamãe deve ter arrumado ele hoje!”. Depois avistou um magrelo com uma espinha bem amarela no queixo: “Se eu tivesse um ‘torugo’ buscava essa espinha daqui!”. Olhou para o horizonte e nada do trem. Quando seu olhar voltou-se para a escada... Espanto: “- É ela!”. Quando a viu, seu coração deu uma pontada súbita, uma ânsia lhe efervesceu. Adrenalina descarregada, um calor no rosto e um vazio no estômago. Uma sensação profunda de deja . Era como numa fração de segundo um filme passasse pela sua cabeça. Como se naquele segundo houvesse um estampido, tudo vira silêncio, as pessoas ali não existem mais e ali é somente ele, o vácuo do tempo, a escada e ela. Cada degrau descido é ritmado pela palpitação do peito. Tum-dum e mais um degrau transposto. Ela ali protagonista de um filme, um filme em câmera lenta. Estático, assistiu lentamente o ondular dos cabelos dela baterem ao ombro, os olhos piscarem e a cabeça virar olhando para um lado e na seqüência daquele movimento gracioso, outra pisca e ela olhando para o outro lado. Tum-dum. Desce mais um degrau. Uma mecha do cabelo desliza de forma lenta pelo rosto encobrindo um dos olhos. Ele ali inerte presenciando quadro a quadro, ela vem com o dedo buscando na testa a mecha do cabelo, jogando-a para trás no inclinar da cabeça e chicoteando o cabelo. Que esvoaça pelo ar e arma-se na sua forma. Ao voltar à cabeça para a posição normal, seu olhar se fixou num ponto. O inesperado aconteceu. Os olhares se cruzaram. Ela o encarou, suas sobrancelhas se levantam como num espanto e antes de qualquer reação mútua. Seu pé toca o penúltimo degrau. A harmonia do momento se interrompe. Neste instante a quebra do sonho, do mágico, do surreal com o apito do trem. Um baque, uma desorientação, as pessoas passando, várias vozes, o barulho do trio, ficou perdido ao caos. Desvencilhava seu olhar das pessoas na tentativa de vê-la, mas não conseguia focá-la. E na convulsão da pressa alheia aquele belo rosto perde-se na multidão. O empurra-empurra o fez entrar no vagão. Olhava as pessoas que estavam ali, mas ela não estava ali. Achou aquilo tudo muito estranho, ser tomado por um forte sentimento assim. Aquilo que viu pareceu ter durado minutos, mas talvez fosse por um segundo. Atribuiu aquilo a ser um sonho, se conformou estar sonhando acordado. Chegou ao trabalho. Conseguiu o telefone, a amiga escrevera num papel. Jurara ligar logo quando acabasse o expediente. Não conseguiu render muito no trabalho, estava com a cabeça nas nuvens. Olhando aquele pedaço de papel, Nilson crê em -la novamente.

domingo, 1 de junho de 2008

Talvez dias ruins possam conter um início de uma grande história.

Dedicado a Nath Tavares.


Aquele dia havia sido cansativo no escritório. Logo depois de bater o ponto, pegou ônibus lotado, chegou atrasado na aula, cumprindo o cotidiano dever de assinar a chamada e agüentar uma interminável explanação. Exausto, voltava para casa carregando o que sobrou de sua carcaça. Pela via do prédio onde estuda, seguia para direção da saída principal do campus. Uma via muito arborizada, o que a noite dava certa apreensão por ser escuro em determinados lugares. Saiu do prédio e quando passou em frente ao ponto de ônibus, viu uma moça sentada transparecendo impaciência pela demora do próximo itinerário. Estava sozinha e ao passar diante dela viu que chorava. Passava a mão pelos olhos recorrentemente, respirava fundo e puxava para trás das orelhas as mechas do cabelo que teimavam em cair sobre a face. Tentava engolir o choro, mas os soluços não deixavam. Sentia nela um rancor, um choro de raiva. A moça olhava para o chão e ele ali parado sem saber o que fazer, sentia um aperto no peito. Decidiu se aproximar:

- Oi está tudo bem?

Ela virou a cabeça em sua direção, mas ainda fitava o chão. Ficara meio atrapalhado com o silêncio da moça e prosseguiu:

- Claro que não está né?! Se está chorando e demonstrando tamanho escárnio. Contraditório da minha parte – ela ainda olhava para o chão – Aconteceu alguma coisa, você está... eer... Digo... passando mal? Precisa de algo que posso ajudar?

- Não, pode deixar... está tudo bem, obrigada! – com a voz trêmula e fraca pelo choramingo, ao falar desviava o olhar.

- Na real, bem não está né?! Você está aos prantos. E, eu, perguntando se aconteceu algo. Deve ter acontecido. Você está chorando!

Por não saber lidar com a situação se atrapalhava com as palavras. Pelo seu jeito atrapalhado, a moça deu uma respirada funda acompanhado de um sorriso de canto de boca, foi a primeira vez que ela olhou nos seus olhos. O tímido sorriso evidenciara súbitas covinhas, aí ele se deu conta de quanto ela era realmente bonita. Cabelos negros lisos na altura dos ombros, o rosto com traços delicados, nariz afinado, algumas sardas, pequena boca de lábios perfeitamente desenhados e um olhar meigo. Pensou que aqueles olhos vermelhos de choro não combinavam com uma figura que parecia ser afável. Ele se perguntava o que poderia ter causado tamanha chateação. Ela responde:

- Não se preocupe! Vou ficar bem.

- Tem certeza?

- Tenho. Obrigada.

- Está bem. Só queria ser gentil. Independente daquilo que esteja passando, estimo que tudo acabe bem. Até!

Pensava em ajudar. Ficara curioso, quem não ficaria, fez por boa intenção. Mas, algo mexeu com ela, quem seria aquele rapaz que se mostrou tão prestativo. Achou-o bem gentil mesmo. Ele havia andado alguns passos quando ouviu:

- Espere! – Surpreso ele a olhou com afinco – Meu ônibus deve demorar que tal conversar... e... é... – tímida faltaram palavras para ela.

- Conversar, claro! – ela sede um lugar no banco e ele senta ao seu lado – Eu ficaria bem se você me falasse o que te aflige. Claro se você quiser né?!

- Aquele babaca aprontou de novo.

- Seu namorado?

- Agora é ex definitivamente, dessa vez não passa. Já o perdoei diversas vezes, mas essa é a gota d’água.

- Quer falar sobre isso?

- Não.. mas ah...

- É outra pessoa?

- É.

- Você acha que acabou mesmo?

- Tô sofrendo, gostava dele... Mas não posso prosseguir assim.

- Recomeçar de novo, isso só você poderá saber. Mas, olhe para você. Uma mulher tão bonita, se matando por alguém, ao certo não lhe dava valor. Se ele ao menos lhe respeitasse, teria terminado antes de ficar com outra pessoa.

- Fui uma boba mesmo. Há algum tempo deixou de ser carinhoso, na verdade nunca foi muito atencioso. Ciumento, não podia olhar para o lado que queria saber para quem eu estava olhando. Sem eu olhar para ninguém. Agora ele, não era nem um pouco discreto com um rabo de saia.

- Não desanime, para que chorar? Pergunte se ele era tão bom assim para você? Creio que se fosse não teria feito.. o sei lá o que ele fez... O melhor que você tem a fazer é achar alguém que dedique a você o tão quanto você dedique a ele. Bonita assim, pretendente não faltará – ela deu um breve sorriso tímido pelo elogio.

- Você é legal! Meio atrapalhado, gesticula as mãos quando não consegue achar as palavras para falar. Obrigada, sabia que estou me sentindo até melhor! – Ele abriu um sorriso, se sentiu contente.

- Fico feliz em te deixar um pouco melhor. Eer... eu nem disse meu nome. Sou o Gabriel.

- Me chamo Ana.

Conversaram por longos minutos. Conversaram como velhos amigos, uma bela sintonia. Trocaram telefones. Falaram sobre diversas coisas e talvez o mais importantes, riram bastante, muitas vezes com gargalhadas. Estavam felizes juntos ali. Suavizando assim os pesos de um cara cansado pela rotina, responsabilidades e falta de tempo, quanto às dores de uma menina que feriu seus sentimentos por ter um bom coração.

O ônibus dela chega.

- Tenho que ir. Foi um prazer.

- O prazer é todo meu. A gente se verá depois?

Os dois se olham por um instante, parecia que o tempo parou, nem que por um segundo. Os olhares em brilho, ela diz com um largo sorriso:

- Com certeza.

sábado, 17 de maio de 2008

Relato

Ricardo ainda manda essa merda as favas.

Ricardo por mais esforçado que fosse, não passava de um aluno mediano. Sentia que se não fosse excepcional as oportunidades seriam remotas. Abatido, descrente da perspectiva de futuro, faltava motivação. Relembra que escolheu a área motivado pelo idealismo que nos fomenta na juventude. Disperso, seu olhar atravessa a janela e se perde na longitude dos seus próprios pensamentos. Reflete que aprendeu muito nesses anos, abre um breve sorriso ao lembrar o tanto imaturo e ingênuo que era no início da vida acadêmica. Mas, agora se vê cansado, quer mudar de curso. Sempre diz que quer mandar tudo as favas e tentar algo mais promissor. Ali naquela aula entregue a mesmice do quotidiano. As palavras no quadro nada mais fazia sentido e a voz estridente da professora o irritava cada vez mais. Olhava tudo aquilo e imaginava: Será que no mundo real é assim? Olhava a sua volta e achava que no geral não passavam de um bando de burgueses pagando de intelectuais com discursos lindos e maravilhosos sobre igualdade social, politica, economia. Porém, via todos numa torre de marfim - distante do social, da realidade, do mundo real. Simplesmente, uma distância sanada com muita masturbação mental e especulações. Uma vez que se diz ser ciência, mas é mais especulações do que verdades. É a crise da Ciências Humanas. Ricardo é passivo demais. Há dois semestres amadurece a iniciativa, quer largar, mudar, crescer. É Ricardo depende de você. Claro que não é tão fácil assim, só sair e pronto. Abandonar um diploma a essa altura do campeonato. Quando pensa na família, nos amigos a incerteza aperta. Sempre pergunta se é o certo a fazer. Pensa que se não agrada para que prosseguir? É Ricardo, coragem. Se não encarar os problemas de frente, nunca conseguirá superá-los. Sabe Ricardo, aproveita enquanto você é novo, não deixe o que temos de mais precioso passar: o tempo. Depois olhar para trás o que passou e ver o que foi perdido deve ser uma frustração bem maior que essas que lhe acompanham agora. Por mais frustrante que desistir no meio do caminho parece ser, não deixa de ser louvável quando reconhecemos nossos erros. Apreender com a derrota e nunca desistir da vitória, é preciso dedicação. Mudanças geram incertezas e incertezas geram medos. Por isso, mais do que se empenhar, é preciso ter convicção nas novas escolhas - vai Ricardo, a torcida está com você!

sábado, 10 de novembro de 2007

Crônica

Uma sexta à noite



Sexta-feira e o rélogio marcava 21h30. Estirado no sofá com o controle passava os canais, nenhum entusiasmo pela T.V. Os companheiros de república foram para casa aproveitar o fim de semana. Quis ficar, achava que necessitava de um tempo só. E assim sozinho, o sofá, a T.V., o ruído chato do motor da geladeira, traduziria o mergulho no vazio daquele apartamento. Pela janela que fica na parede perpendicular do sofá ao lado da T.V. via as luzes da cidade sobre o tom da noite. Que noite! - pensou - Viu a lua sair vagarosamente de trás de uma nuvem, sem pressa, na preguiça a quem foi reservada o ofício de testemunha das afortunações da noite. Não era lua cheia, era dia de lua nova. Encantou-se com a imponência daquela esfera prata, sentiu-se hipnotizado. Ela, bela, de um brilho tão vivaz, era intenso. Na T.V. o filme passa despercebido, comédiazinha romântica daquelas bem corriqueiras. Viu-se estático perante algum tempo a admirar la bella luna. Deus! Será quanto tempo que não não olha para a lua? - pensou. Refletiu sobre o quanto que as obrigações, preocupações, compromissos e problemas embaçam as coisas simples da vida. O quanto a rotina opacam vontades, sonhos e simples atos, mesmo que seja olhar para o céu e ver como está o dia. Pela janela via aquela singela imagem, uma tela onde as luzes diluíam no findo escuro da noite, poucas estrelas e uma soberana esfera de prata. A eterna vigilante da cidade, iluminando com seu brilho o fluxo dessa selva de pedra. Pensou no que ela testemunharia nesta noite: um cão que revira o lixo; gatos que se estranham em algum telhado; uma coruja que pia, vigia e pia novamente; um jovem ébrio que ao sair do bar cambaleia por seu destino; Sirenes de alguma viatura ou ambulância rasgando os gemidos da noite; o maltrapilho trêmulo de frio dormindo no seu berço de papelão; dos que se encontram de coração vazio e olham para o céu e veem na lua a imagem da mulher que um dia querem amar. Viu que naquele sofá sentia-se sozinho, de coração vazio. Deu um grande suspiro, compreendia que estava vendo sua vida passar em preto-e-branco. Pensou em levantar e fumar um cigarro, mas não teve ânimo. Talvez naquele momento descobriu que queria sair, ver gente, beber uma cerveja, mas se rendeu ao sofá. Assistiu a lua ser lentamente encoberta por outra nuvem. Sua única companheira se foi. O rélogio marcava 1h30. Desligou a T.V. e foi dormir.

Obs: o Desenho é meu! Feito no Paint. Réplica (quase perfeita) da sala do meu apartamento.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Crônica

Relato de uma outra noite em vã

No pensamento certeza de ser a chance. Teve, deteve. Apequenou e deixou escapar. O velho problema dos inseguros. Gabar por algo imaginável e sentir-se confiante, mas na hora da definição deixou seus pensamentos negativos lhe sucumbirem. A eterna sensação de se inferiorizar. Não merecedor das suas próprias circunstâncias. Não conseguiu se aproximar mais uma vez. Viu-se fraco, demonstrou ser fraco. Um belo covarde. Dói porque sentia no olhar dela. Viu isso naquele brilho, ela esperava algo, alguma pergunta, alguma aproximação, alguma atenção. Ela esperou. Ele hesitou e agora, espera por si. A única que não espera é a dor. Ele mesmo acabou com sua noite, sabe disso e tratou de enterrá-la. Entregue a embriaguez, concluiu em amargura que talvez nesses dois anos de BH foi tempo jogado fora. Sente que aprendeu ser infeliz. Há um bom tempo anda sem perspectivas. Na convulsão dos seus pensamentos, diz: “Que inferno! Ainda me sobra amanhã aquela tristeza do domingo”. A tristeza de Domingo! Sempre achou o dia dominical nebuloso e agonizante. O bendito dia que a ressaca ataca. Fatídico dia transitório, a tênue passagem para segunda-feira. Dia que voltamos para a realidade e os problemas voltam à tona. O último suspiro do fim de semana e o ressurgimento do cotidiano. Escorado com o cotovelo direito na mesa, tenta sustentar o peso da própria carcaça ou seria de suas culpas? O copo testemunha inerte. Com o dedo em riste procura indagar a Deus até quando sua vida será assim. Um breve sopro de razão o toca. Ponderou: “como sou ridículo. Tenho que parar de ser ridículo. É cansaço, simplesmente, cansaço”.

Obs: A figura acima é um desenho de Franz Kafka.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

...

Dias de reticências...
Por não estar havendo dias melhores. Escrevi esse “joguinho” de palavras.

Caia realidade, caia o real. Caia gota, cada gota. Gota por gota. Daí enche o copo, transborda. Não vai fazer diferença se o tijolo cair em pé ou deitado. A realidade bate à cara. O chão duro do real. Bate à cara. A face arde, queima. A realidade vem assim, jogada. Na cara. Dor latente da incapacidade que envergonha. Acerba vida real. O tangível é o que assusta. Caia na real. Um despertar, como abrir os olhos e descobrir o que estava na palma da mão jamais esteve. Era apenas um sentimento de confiança. Antes, destreza em encarar a vida, sentir os pés no chão. Respirar e estar vivo. Mas o tapete foi puxado. Caia realidade. O duro impacto do real. Desperta um vazio, um vácuo, um nada. Encostos, bases e alicerces. É sentir sua estrutura ruir. Corroer, esfarelar, desmanchar. Sobra ausência. Cruel realidade. Tênue aos anseios, sonhos e metas. Talvez seja por isso. Seja por isso que as pessoas são tão simplistas. É porque a realidade oferece duas alternativas: sim ou não, é ou não é, pra lá ou pra cá, verdade ou mentira, isso ou aquilo, em cima ou em baixo, direita ou esquerda, pra frente ou pra trás! Dilemas. Dicotômicos, soluções indesejáveis, escolhas desgastantes, decisões irreversíveis. A vida em constante trade-off. Não adianta indagar onde foi o erro. Ele é resultado de todo um processo. Vários acontecimentos, ganhos e perdas. Oportunidades desperdiçadas. Desde a criação à libertação. Crescer, não precisar mais dar à mão para caminhar. Antes, foi para aprender, hoje vive à procurá-la. O real aplica a rasteira. Cadê a mão para te levantar agora?

O momento parece oportuno para invocar um belo fragmento de Vinicius aqui.

“Resta essa imobilidade, essa economia de gestos / Essa inércia cada vez maior diante do Infinito / Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível / Essa irredutível recusa à poesia não vivida (...) / Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo / Infantil de ter pequenas coragens”.
Vinicius de Moraes

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Crônica

Relato de uma noite em vão

A expectativa ronda sua mente. É aniversário da mulher que enaltece seus anseios. Decidiu ir à festa acompanhando os amigos. Não estava com tanta vontade de farra, pensara ver um filme na TV ou fuçar besteiras na Internet. Mas decidiu ir, acha que chegou o momento de se declarar. Acredita ser a menina certa, já algum tempo sentia falta de uma namorada. Uma pessoa que o compreenda e o complete. Seu problema é crer demais nos amores perfeitos dos seus filmes e livros preferidos, talvez, por isso seja muito recluso às vezes. Movido pelos sentimentos com a ida à festa, adotou uma convicção que o encheu de coragem para tentar cortejar a mulher que tanto lhe embaraça os sonhos.
Entre ele e ela existe uma amizade bacana, mas ele se maltrata demais em sentir culpado de ter apaixonado por ela. Ela não sabe, ou finge que não, ele nunca foi franco com ela sobre seu verdadeiro sentimento. Vive a lamentar, se deveria ser sincero com ela, pelo menos uma vez. Mas é temeroso demais em não ser correspondido. Se apaixonar por ela não é algo difícil, é uma mulher que detêm uma beleza exuberante. Olhos verdes claros que reluzem um fitar indefectível com um jeitinho meigo e doce de falar. Além da beleza, é uma pessoa muito carinhosa e atenciosa. Petulância ingênua. Suas qualidades instigam um ar de fascínio que amolece, seduz e enaltece o coração de qualquer um. A verdade é que ela não sabe o poder de sedução que possui.
Na festa, ele cumprimentou e conversou com vários amigos e conhecidos. Havia um palco, não demorou muito para a banda começar a tocar. As pessoas dançavam e bebiam. Por um segundo invejou os fumantes, ao menos eles têm o que fazer com as mãos. Que droga de timidez! – pensou - Não quer se abater. Pegou uma cerveja e dispersou um pouco da turma que o acompanhava. Caminhou pelo ambiente entre as pessoas, as caras e bocas, as conversas, risadas e vozes. Procurou sua amada, no primeiro momento sua busca foi em vão.
Aproximou dos amigos, cordiais lhe oferecem mais cerveja. Aceita e logo bebeu um gole tentando aliviar a ansiedade que o tomava. De súbito, uma mão repousa no seu ombro esquerdo, uma doce voz fala oi e seu nome. É ela! A mão desliza do ombro com delicadeza e um terno abraço é concretizado. Muitos Parabéns, votos de felicidade e agradecimentos são ditos. Não se esqueceu da sua pretensão, mas ficou imóvel, achou não ser o momento certo. Foi sábio, se encontrava na frente de muitas pessoas, poderia deixá-la constrangida.
Aproveitou bem a festa, não se privou muito. Conversou bastante com várias pessoas, dançou, bebeu. Sempre observando a procurá-la. Cansado, se sentou à mesa. Colou o copo a sua frente e ergueu a cabeça, avistou no horizonte ela conversando com um cara de quem teve um breve namoro passado. Pareciam bem íntimos, acha o cara bem mais atraente que ele. Logo pensou que tudo estava perdido. Imaginou e fantasiou possibilidades. O ciúme ardeu à face. Sentiu um nó no estômago. Esticou o braço com a mão aberta. A visão que obteve foi como se ela estivesse na palma de sua mão. Como fosse uma daquelas delicadas bailarinas de caixinha de música. E vislumbrou a cena que mais desejara. Imaginou ele e ela num lugar mais tranqüilo da festa. Ela o abraçou e disse que o admirava muito. Ele sem perder a oportunidade disse que gostaria de ser sincero com ela. Ela o fita com um olhar de dúvida e espera-o dizer algo. Ele respirou fundo, olhos nos olhos, se enche de coragem e diz:
—Sabia? Você é muito bonita... Esquece a última coisa que quer é alguém falar o óbvio, dizer como é bonita.
Ela agradece, mas o encara. Quer saber o que realmente ele quer e indaga:
— Você me acha bonita?
—Não é só isso. Deveriam criar um novo gênero por sua causa. É que você é tão linda que dá vontade de bater a cabeça, tanto que penso em olhar você de novo. Só olhar para você não adianta. Encarar é o único jeito que faz algum sentido. E tento não piscar que é para não perder nada, nem um segundo. Sou apaixonado por você e...
Ela o interrompeu colocando o dedo indicador na boca dele, num gesto de silêncio. O momento, o apogeu, um beijo acontece. Num estralo se viu de volta a amarga realidade. Trêmulo, foi fechando a mão devagarzinho. Imagine que uma luz de forte brilho estivesse em sua mão e conforme o punho torna-se cerrado, a luz fosse diminuindo até desaparecer. Era assim que ele sentiu. Pior era saber que quando abrisse a mão, a luz não existira e ali só permaneceria o nada. Lamentou: ”tão perto e num momento tão longe”. Convicto de tudo estar perdido. Quis beber, se ergueu da mesa e debruçou no balcão. E desce uma, desce duais e desce mais. Como bebeu. Sabe que sua introspectividade sempre o empurrou para o fundo do poço. Assim, elegeu o copo seu único companheiro, compreensivo e bajulador. Até invocou Drummond. Olhou para o copo e depois para a linda lua que havia naquela noite e refletiu:
— O poeta tava certo! - E balbuciou - “mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo”. Riu do próprio sofrimento.
O que a mente não faz pelo coração partido quando o álcool é farto! Todos bêbados, ele e seus amigos, entre gargalhadas e cantaroladas foram para a saída da festa. Não esperava ou talvez estivesse bêbado demais para esperar. Ela estava ali à porta, despedindo dos convidados. A fila andava como num matadouro, aquela apreensão, chegou a sua vez. Como lhe é perpétuo, ela o recebeu com um imenso sorriso. Ele sentiu um ardor, o coração disparou. Olhou-a nos olhos e tentou dizer algo, mas gaguejou. O nervosismo o impele de falar, o suor, as mãos trêmulas, apenas um abraço aconteceu. Ela se constrange, suas maças do rosto ficaram rosadas, sentia que ele gostaria de lhe falar algo. Com um breve suspiro, um sorriso tímido no canto da boca, ele se virou e partiu. Por trás o medo coage, transforma coragem em apreensão, alento em recuo. O que era tangível passa a ser inatingível, olhou para as mãos e pergunta o que sobrou. O nervosismo o sucumbe, acaba se enrolando nos próprios pensamentos. A confusão de idéias o fez explicar a si mesmo ilógicas nem mesmo fundamentadas e que acreditar em coisas regidas por ideais, sempre o fez descobrir que o ritmo da realidade segue em sintonia diferente do ritmo de seu próprio coração.
No carro indo para casa, se corroeu por dentro, sentiu uma vergonha com um misto de raiva de si próprio, pela incapacidade de se declarar à mulher que tanto estima. Chegou em casa. Quase caiu quando saiu do carro, com tropeços mal conseguia ficar de pé. O mundo girava. As chaves na mão. Com muito custo adentrou. Na cozinha pegou um copo d’água, sentou a mesa e desmanchou em prantos. Se debatendo num choro de desespero alternava entre gargalhadas e soluços, aquelas lágrimas insanas somente confirmam a noite em vão.
Acordou com a cabeça latejando em dor, meio-dia marca o relógio. A ressaca, o cheiro de noitada e um gosto desagradável amarga à boca. Quer levantar, mas não consegue. O corpo não quer deixa-lo encarar mais um dia dessa vida agrura que ele mesmo desenhou. Como de costume, talvez por desencargo de consciência, para se sentir melhor perante as asneiras que fez e falou na decorrente noite, fez aquela fatídica promessa de largar a bebida de vez.