Crônica
Sexta-feira e o rélogio marcava 21h30. Estirado no sofá com o controle passava os canais, nenhum entusiasmo pela T.V. Os companheiros de república foram para casa aproveitar o fim de semana. Quis ficar, achava que necessitava de um tempo só. E assim sozinho, o sofá, a T.V., o ruído chato do motor da geladeira, traduziria o mergulho no vazio daquele apartamento. Pela janela que fica na parede perpendicular do sofá ao lado da T.V. via as luzes da cidade sobre o tom da noite. Que noite! - pensou - Viu a lua sair vagarosamente de trás de uma nuvem, sem pressa, na preguiça a quem foi reservada o ofício de testemunha das afortunações da noite. Não era lua cheia, era dia de lua nova. Encantou-se com a imponência daquela esfera prata, sentiu-se hipnotizado. Ela, bela, de um brilho tão vivaz, era intenso. Na T.V. o filme passa despercebido, comédiazinha romântica daquelas bem corriqueiras. Viu-se estático perante algum tempo a admirar la bella luna. Deus! Será quanto tempo que não não olha para a lua? - pensou. Refletiu sobre o quanto que as obrigações, preocupações, compromissos e problemas embaçam as coisas simples da vida. O quanto a rotina opacam vontades, sonhos e simples atos, mesmo que seja olhar para o céu e ver como está o dia. Pela janela via aquela singela imagem, uma tela onde as luzes diluíam no findo escuro da noite, poucas estrelas e uma soberana esfera de prata. A eterna vigilante da cidade, iluminando com seu brilho o fluxo dessa selva de pedra. Pensou no que ela testemunharia nesta noite: um cão que revira o lixo; gatos que se estranham em algum telhado; uma coruja que pia, vigia e pia novamente; um jovem ébrio que ao sair do bar cambaleia por seu destino; Sirenes de alguma viatura ou ambulância rasgando os gemidos da noite; o maltrapilho trêmulo de frio dormindo no seu berço de papelão; dos que se encontram de coração vazio e olham para o céu e veem na lua a imagem da mulher que um dia querem amar. Viu que naquele sofá sentia-se sozinho, de coração vazio. Deu um grande suspiro, compreendia que estava vendo sua vida passar em preto-e-branco. Pensou em levantar e fumar um cigarro, mas não teve ânimo. Talvez naquele momento descobriu que queria sair, ver gente, beber uma cerveja, mas se rendeu ao sofá. Assistiu a lua ser lentamente encoberta por outra nuvem. Sua única companheira se foi. O rélogio marcava 1h30. Desligou a T.V. e foi dormir.
Obs: o Desenho é meu! Feito no Paint. Réplica (quase perfeita) da sala do meu apartamento.
Um comentário:
Eu nunca vi um bilhete suicida tão bem ilustrado.
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